13 de janeiro de 2014

A Pequena aldeia de Marlón

I

Eram quase seis da manhã e já o Galo cantava. Na aldeia de Marlón era o Galo Artur, batizado por um louco que havia matado a mulher, que despertava os habitantes da aldeia, os marlóenses. 
Marlón era uma aldeia pequena, com quatro famílias e uma série de órfãos. A família Areijo, a mais abastada do sítio, gostava de soar o som do sino da sua própria capela, e todos os dias o fazia, numa espécie de competição com o Galo Artur. Os pais Areijo viviam bem, tinham 23 empregados e nunca haviam deixado faltar comida aos 15 filhos que tinham. A casa deles era um palácio aos olhos das restantes famílias de Marlón.
A família Verbitium, que vivia à frente da herdade dos Areijos, mantinha uma casa em pedra, na margem da ribeira da aldeia. Patrício, filho do casal Verbitium, tinha o hábito de pescar ali na costa, ainda de madrugada. Quando o Artur cantava já Patrício tinha o almoço pescado. 
Lídia e Fospício, pais de Patrício, levantavam-se mal o sol nascia. Calçavam as botas e iam para o campo montados na sua burra. O campo da família Verbitium ficava do outro lado da herdade da família Areijo, e de lá podia avistar-se o minúsculo quarto onde dormiam os 23 empregados do casarão.
Lídia, filha do Padre que morreu apedrejado pela aldeia, não tinha em boa conta os marlóenses. Fospício e Patrício eram tudo o que ela tinha.
Depois de regarem os legumes, que faziam parte da gastronomia diária da família, os Verbitium montavam a burra e regressavam a casa. Lídía, com o seu avental côr de mel, servia o almoço, peixe com cenouras, batatas e legumes. Mesmo sendo o mesmo prato de sempre, não deixavam de agradecer a Deus, ou ao seu Patrício, por ter pescado, mais uma vez, um grande atum para o almoço.
A aldeia de Marlón não tinha Igreja. Aliás, teve, em tempos. Mas isso foi antes dos marlóenses descobrirem que o Padre Penicas era pai de 13 filhos. Lídia era uma delas. Depois de apedrejarem o pároco até à morte, puseram fogo à Igreja sem antes se lembraram de ir buscar o dinheiro das missas que o Padre guardará nos cofres da paróquia. A aldeia não teve como construir outra igreja, mas isso não era problema para o povo. A capela da família Areijo metia três igrejas do Padre Penicas no bolso. Os Areijos, apesar de serem repugnáveis criaturas, acreditavam que nem o mais pobre, velho, bebêdo e ladrão deveria ser privado à casa do Senhor. Quase toda a população podia visitar a capela deles, apenas com algumas condições, não podiam entrar calçados, não podiam roubar as velas com fitas de seda que decoravam o altar, e no fim da reza tinham de deixar uma recompensa no cesto de palha da entrada.
Lídia não era bêbada nem tinha o hábito de roubar... mas era filha do Padre Penicas. Nenhum filho do falecido Penicas tinha permissão para entrar na capela dos Areijos. Lídia e os seus 12 irmãos orfãos estavam proibidos de pisar o chão da herdade.


Adeus

Sem comentários:

Enviar um comentário