21 de junho de 2015

Ainda há génios vivos

Hoje fiquei na praia até àquela hora de sol confortável. Aquele sol que não queima na pele mas que aquece. Aquela altura do dia em que os óculos de sol são recolhidos e tudo fica mais livre, mais suave e mais quente ao olhar. 
Quando subi as escadas de casa já eram oito e meia e eu a meia hora do início de um concerto que tinha prometido ver. Faltava-me tomar banho, vestir-me, jantar e chegar ao Chiado. Parecia-me impossível mas na meta estava Jorge Palma e rápido quebrei as barreiras. 
Rodei a chave, atirei com tudo para cima da cama, peguei na toalha da cabeça, no roupão e abri a água morna. 
Sentia entusiasmo e o pouco tempo que tinha nem permitiu que a ansiedade viesse incomodar.
Peguei na pulseira do pé, no relógio, no batom, no anel olho de tigre e espetei tudo na mala. Enquanto descia as escadas já o relógio agarrava o meu pulso e o anel estava pronto a juntar-se ao indicador.
Uns metros a compor-me e rápido cheguei à parte em que deixei de ter qualquer responsabilidade no relógio. A parte do transporte. Sabia que podia estar até quinze minutos à espera do 15E. No momento em que cheguei à paragem vi que faltava um minuto. Digo-vos, meus caros, não há nada melhor do que ver um minuto no placar da Carris. Pus o meu batom vermelho no elétrico, com uma plateia de dois indianos e alguns estrangeiros. Não estava com pudores, ia ver Jorge Palma e queria estar bonita. 
O jantar ficou adiado e o meu estômago, como não tem olhos nem ouvidos, pouco quis saber onde eu ia e queixava-se como nunca. 
Corri com o GPS na mão e lá cheguei, ao Teatro São Luiz. 
Enquanto comprava o bilhete já lhe ouvia a voz. Entrei nas palmas da segunda música. Sentei-me. Por momentos nem acreditei que estava ali, depois de tanta correria.
Só foram precisos dois segundos para tudo valer a pena. A voz, as notas do piano, os cabelos cinzentos, o suor e a saliva que saltava a cada verso, visível através da luz que cruzava o palco. Dois segundos foram suficientes para encher os olhos de lágrimas. Não por ser o Jorge Palma, a pessoa  atrás do artista, mas por serem aquelas letras, aquele compositor, aquele cérebro, aquele momento e aquelas músicas, que tanto significam.
O fim do concerto foi a gota de água, literalmente. Talvez o universo lhe tenha dito mas a minha favorita era mesmo aquela última, A gente vai continuar. Completamente arrebatador. Senti tanto que desse tanto pouco pensei sentir. Senti-me leve e feliz. Aquelas notas fizeram-me infinita. 
Pousei nas nuvens e nada existia para além da audição. Naquele momento reencontrei-me. E que belo encontro que foi.
O concerto era dividido com a fadista Aldina Duarte. Não a conhecia em palco e impressionou-me. Senti o fado como deve ser sentido, a tremer nos últimos versos. Culpam-se as letras anteriores de Palma, é certo, mas a verdade é que até Aldina Duarte o referiu como um génio e disse que se houve alguém que a ensinou a conjugar o verbo Sonhar, foi ele. Eu diria que com ele aprendi a conjugação do verbo Amar. Ninguém escreve tão bem amor em música. No bairro do amor do mundo de Palma, não há prisões nem hospitais e cada um tem de tratar das suas nódoas negras sentimentais. E, enquanto eu tiro a mão do queixo e não penso mais nisto,  penso que o que lá vai já deu o que tinha a dar. Mas...é nestes momentos que me submeto a um estado de nada. A um choque pós reencontro. É nestes momentos em que atinjo o estado em que enquanto houver estrada para andar, penso que a gente vai continuar. 



Itálicos de Jorge Palma: "Bairro do Amor" e "A gente vai continuar".

Adeus

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